Notícias Ambientais Positivas - Dec' 23
1.
A COP28, que terminou no dia 13 de dezembro, chegou a um acordo histórico para abandonar os combustíveis fósseis. Este acordo é um conjunto de decisões jurídicas, acordado por todas as partes no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (CQNUAC, ou UNFCCC em inglês). Pela primeira vez, uma cimeira das Nações Unidas sobre o clima terminou com um apelo à resolução da principal causa da crise climática.
O acordo "reconhece a necessidade de reduções profundas, rápidas e sustentadas das emissões de gases com efeito de estufa, em conformidade com as trajetórias de 1,5 °C, e apela às Partes para que contribuam para os seguintes esforços globais, de uma forma determinada a nível nacional, tendo em conta o Acordo de Paris e as suas diferentes circunstâncias, trajetórias e abordagens nacionais..." Salientou a necessidade de "abandonarmos os combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de uma forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de modo a atingir o zero líquido até 2050, em conformidade com a ciência". Explicita que é crucial "triplicar a capacidade de produção de energia renovável a nível mundial e duplicar a taxa média anual global de melhoria da eficiência energética até 2030."
Ao resumir os avanços da COP28, o presidente da cimeira, Sultan Al Jaber, referiu a mobilização de mais de 78,8 mil milhões de euros em novos compromissos financeiros em todas as áreas climáticas.
No entanto, nem todos ficaram satisfeitos. Alguns ativistas sugeriram a substituição do processo de decisão por consenso por uma votação. Outros apontam para lacunas deixadas à indústria, como a tecnologia de captura e armazenamento de carbono (CAC) não comprovada, que é mencionada no texto.
O financiamento da adaptação apresenta uma das lacunas mais gritantes entre o que é necessário e o que é realizado. Criado no âmbito do Acordo de Paris, o objetivo global de adaptação (GGA) pretende ajudar a alterar esta situação. A COP28 chegou agora a acordo sobre o texto para pôr isso em prática, mas a linguagem também foi diluída. O projeto de texto "solicita aos países desenvolvidos" que disponibilizem financiamento aos países em desenvolvimento, mas a versão final refere que é "urgentemente necessário um apoio internacional contínuo e reforçado" aos países em desenvolvimento.
Tal como disse Al Jaber, "um acordo só é tão bom quanto a sua implementação". Será este o "princípio do fim" dos combustíveis fósseis ou mais uma tentativa falhada?
2.
El Hierro, a mais pequena das Ilhas Canárias, é a única ilha do mundo que funcionou durante 28 dias seguidos utilizando apenas energia eólica e hídrica. Os seus 10.000 habitantes e o governo local estão igualmente empenhados na sustentabilidade da ilha. Qualquer lucro obtido com a utilização de fontes de energia renováveis é canalizado para a criação de sistemas de distribuição de água mais eficientes, painéis de energia solar e programas educativos.
Esta ilha vulcânica no meio do Atlântico tem 1,1 milhões de anos. Em 1996, criaram um plano de desenvolvimento sustentável para garantir um melhor nível e qualidade de vida para a população e a conservação das áreas naturais. Em 2000, El Hierro foi designada Reserva da Biosfera e Geoparque da UNESCO - um título reservado a áreas que promovem soluções que conciliam a conservação da biodiversidade com a sua utilização sustentável. Em julho de 2015, a central hidroelétrica de Corona del Viento começou a funcionar em plena capacidade. Com uma capacidade eólica instalada de 11,5 MW, esta é a principal fonte de produção de eletricidade na ilha. Combina a produção eólica com a produção hidroelétrica por bombagem. Isto significa que utiliza parte da energia produzida pelo vento para bombear água para um reservatório a montante, de modo a que esta possa ser utilizada para mover turbinas hidroelétricas e, posteriormente, tirar o máximo partido das fontes renováveis de produção de eletricidade. Tem sido uma instalação fundamental para a integração das energias renováveis no sistema elétrico. Antes da sua entrada em funcionamento, as energias renováveis forneciam apenas 2,2% da procura de eletricidade em El Hierro.
Consequentemente, no dia 9 de agosto de 2015, toda a ilha passou duas horas a funcionar apenas com fontes renováveis. Este foi o primeiro período de tempo consecutivo em que El Hierro utilizou apenas energias renováveis. O segundo foi em 25 de janeiro de 2018 e chegaram aos 18 dias. Desde então, o mundo assistiu à pequena ilha atlântica continuar a provar que as energias renováveis são uma solução viável para quem vive em territórios isolados em todo o mundo. A SEE.FLUL anseia pelo momento em que a ilha se torne 100% autossuficiente em termos energéticos através de fontes renováveis.
3.
A Índia está a construir o que será provavelmente o maior projeto de energias renováveis do mundo: um parque solar e eólico tão grande ao ponto de ser visível do espaço. Quando estiver concluído (daqui a três anos, segundo as previsões) terá uma dimensão equivalente à de Singapura, estendendo-se por 726 quilómetros quadrados. Fornecerá 30 gigawatts de energia renovável por ano, o suficiente para abastecer cerca de 18 milhões de lares indianos. O governo indiano estima que o parque custará, pelo menos 2,08 mil milhões de euros. Já foram instalados os pilares nos quais serão montados painéis solares e já foram construídas as fundações para a instalação de enormes turbinas eólicas.
Chamar-se-à Khavda, em honra da aldeia mais próxima do local do projeto, a aproximadamente 70 quilómetros. Encontra-se apenas a uma curta viagem (de camião do exército) de uma das fronteiras internacionais mais tensas do mundo, que separa a Índia do Paquistão. KSRK Verma, o chefe de projeto da Adani Green Energy Limited, foi franco sobre os numerosos desafios enfrentados durante a construção. O trabalho manual torna-se ainda mais árduo devido ao clima, pois o parque situa-se no meio de um deserto salgado implacável, numa zona propensa a terramotos. O Grande Rann de Kutch é um sapal, localizado no Deserto de Thar, no distrito de Kutch, no estado de Gujarat, na Índia ocidental. Com pouco mais de 45.000 quilómetros quadrados, o distrito de Kutch é tão grande quanto a Dinamarca e é o maior distrito da Índia. O sapal tem a fama de ser um dos maiores desertos de sal do mundo, com 7500 quilómetros quadrados. Cerca de 4.000 trabalhadores e 500 engenheiros têm vivido em campos improvisados durante a maior parte do último ano. Enfrentam condições difíceis: em setembro, chuvas fortes fora de época deixaram o solo lamacento e encharcado, uma vez que a única saída para a água neste terreno acidentado é a evaporação. Entretanto, os residentes de Khavda ainda estão à espera para ver como é que este enorme projeto os irá afetar.
Embora reconheçam a importância da transição para as energias renováveis, os peritos ambientais e os ativistas sociais afirmam que a decisão da Índia de autorizar projetos de energia limpa sem qualquer avaliação do impacto ambiental terá certamente consequências negativas. Sandip Virmani, um ambientalista baseado em Kutch, declara que "não existe um sistema" para determinar os melhores locais para instalar projetos de energia renovável. De acordo com Abi Vanak, "o deserto de sal é uma paisagem única rica em flora e fauna", incluindo flamingos, raposas do deserto e espécies de aves migratórias que voam da Europa e de África para passar o inverno nesta região. Vanak é um cientista da conservação do Ashoka Trust for Research in Ecology and the Environment, com sede em Bengaluru, e supervisionou vários projetos de investigação relacionados com o ambiente na região de Kutch. Kutch e outras regiões semelhantes são classificadas como "terrenos baldios" pelo governo indiano - e Vanak diz que isso é extremamente lamentável. "Não são reconhecidas como ecossistemas válidos", afirma.
Atualmente, a Índia continua a ser alimentada principalmente por combustíveis fósseis, especialmente carvão, que produzem mais de 70% da sua eletricidade. As energias renováveis contribuem atualmente com cerca de 10% das necessidades de eletricidade da Índia. O país é o terceiro maior emissor de gases responsáveis pelo aquecimento do planeta, atrás da China e dos Estados Unidos. O país mais populoso do mundo tem como objetivo instalar 500 gigawatts de energia limpa até ao final da década e atingir emissões líquidas nulas até 2070. Embora esteja longe de ser perfeito, este projeto contribuirá de forma significativa para uma transição para a produção de energia a partir de fontes que não emitem carbono.
4
Paris quer transformar uma das suas rotundas mais movimentadas na sua primeira floresta urbana, com o objetivo de se tornar uma das cidades mais verdes da Europa. A rotunda da Place de Catalogne – localizada perto da estação de comboios Gare Montparnasse e desenhada pelo falecido arquiteto espanhol Ricardo Bofill nos anos 80 - foi durante décadas uma via movimentada para os automóveis. Nos últimos anos, foi transformada num cruzamento de estilo holandês, amigo das bicicletas, que é também o início de uma "voie verte" ou ciclovia verde para os subúrbios do sul.
No final de junho de 2024, haverá 478 árvores, incluindo carvalhos, freixos, bordos e cerejeiras selvagens. Devido às zonas para andar a pé e de bicicleta, haverá uma redução na utilização de automóveis e na poluição atmosférica. As florestas urbanas, (definidas por Christophe Najdovski, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Paris, como a "reconstituição do ecossistema de uma floresta" num pequeno espaço urbano), podem baixar as temperaturas entre 2ºC e 10ºC, dependendo das condições locais. Para além dos seus efeitos de arrefecimento, os espaços verdes e as árvores estão associados a uma maior felicidade, melhor saúde mental, mais interações sociais e menor risco de doenças cardiovasculares.
Em 2020, a presidente da câmara do Partido Socialista, Anne Hidalgo, foi reeleita com a promessa de uma "ecologização maciça" de Paris, com um grande compromisso de plantar 170,000 árvores até 2026. No verão de 2023, a meio do seu mandato, o gabinete afirmava já ter plantado 63,500 árvores. E "45,000 árvores serão plantadas este inverno", afirma Najdovski, o que significa que a cidade se aproxima dos dois terços (64%) do objetivo. Com um orçamento global de "mais de 100 milhões de euros... nunca plantámos tantas árvores nas ruas de Paris desde os tempos de Haussmann", insiste.
A coligação verde-esquerda de Hidalgo também reduziu o espaço para carros na cidade, aumentou as taxas de estacionamento e está a eliminar gradualmente os carros a gasóleo do centro. O plano mais recente é retirar os grandes veículos utilitários desportivos (SUV) do centro da cidade, estando prevista uma votação dos cidadãos sobre esta questão em fevereiro. Porém, os seus opositores políticos e alguns ativistas ambientais não estão convencidos. Valérie Montandon, conselheira do partido Les Républicains, de Paris, diz que o termo floresta urbana é uma "manipulação verbal". Esta crítica é partilhada por várias associações ambientalistas. "Uma floresta não é uma plantação de árvores, mas um ecossistema. Não é uma floresta, mas um bosque", afirma Christine Nedelec, presidente da France Nature Environnement (FNE) Paris.
Floresta ou bosque, o planeta agradece na mesma.
Fontes:
De Clercq , G. and Dalmasso, L. (2023). Paris to plant first 'urban forest' on busy roundabout in drive to build a garden city. [online] Reuters. Available at: https://www.reuters.com/business/environment/paris-plant-first-urban-forest-busy-roundabout-drive-build-garden-city-2023-12-06/ [Accessed 31 Dec. 2023].
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Jacobs, M. (2023). A battle for interpretation of the Cop28 deal on a fossil fuel phase-out. The Guardian. [online] 19 Dec. Available at: https://www.theguardian.com/environment/2023/dec/19/a-battle-for-interpretation-of-the-cop28-deal-on-a-fossil-fuel-phase-out [Accessed 31 Dec. 2023].