O lado ambiental da ocupação da Palestina

28-11-2023

de Mariana Araújo


Face aos acontecimentos na Palestina, a SEE.FLUL não pode ficar silenciosa e inerte. Defendemos o direito à autodeterminação dos povos e, desse modo, condenamos a ocupação, expulsão e opressão violenta do território palestiniano por parte do Estado israelita desde 1948. Apesar de condenarmos os atos terroristas praticados pelo Hamas a 7 de outubro, reconhecemos que estes atos têm um contexto de 56 anos de ocupação e rejeitamos a conceção errada de que o 'conflito' começou aqui. Do mesmo modo, condenamos os atos terroristas e os crimes de guerra israelitas que temos visto desde este dia. De acordo com The New York Times, esta retaliação irracional e impulsiva vitimou, até dia 26 de novembro, 14,000 mortes de civis na Faixa de Gaza, sendo que 10,000 destes são mulheres e crianças (Leatherby, 2023). Estes números são o dobro dos números relativos à guerra da Ucrânia, sendo que a desproporcional resposta israelita começou há menos de dois meses, e a invasão russa começou há dois anos. Ansiamos pela libertação do povo palestiniano, desde o rio até ao mar. Esta ocupação tem várias vertentes, sendo que a humanitária é a mais importante. No entanto, como somos uma sociedade ecológica, iremos analisar a vertente ecológica. Os subtópicos são a desflorestação, a usurpação de recursos naturais e a poluição, entre outros. 

A sustentabilidade ambiental nunca foi uma prioridade para o Israel, tal como não o era para os antigos colonizadores. A ocupação israelita resultou numa perda considerável de biodiversidade humana e animal nos territórios palestinianos. Mazin Qumsiyeh, professor e investigador nas Universidades de Belém e Birzeit, afirma que o muro do apartheid na Margem Ocidental, também referida como Cisjordânia, obstrui as atividades humanas e a circulação dos animais. De acordo com o Instituto de Investigação Aplicada (uma ONG palestiniana fundada em 1990 e sediada em Belém), as práticas israelitas afetaram negativamente a paisagem, resultando na destruição de diversos habitats e no escoamento de água (ARIJ, 2015). Em 2002, Alon Tal (um político israelita, ativista ambiental e académico) escreveu que os seres humanos e a natureza estão interligados na Palestina há milhares de anos. Consequentemente, a perda contínua de biodiversidade prejudica irreversivelmente o património cultural e natural da Palestina, ameaça espécies em perigo e prejudica a agricultura e a sustentabilidade ambiental.

Uma das principais ameaças à paisagem palestiniana é a confiscação de terras para a construção de colonatos, por vezes com a falsa desculpa temporária de evitar danos à natureza (Etkes, D. & Ofran, H., 2007). Por exemplo, a aldeia palestiniana de Ras Imweis e seis áreas adjacentes foram inicialmente confiscadas sob esse pretexto e depois transformadas no colonato de Nahal Shilo. Em muitos outros casos, as autoridades de ocupação israelitas impediram o desenvolvimento sustentável da Palestina, reivindicando certas extensões de terra como "áreas verdes", transformando-as depois em colonatos judeus no espaço de dois ou três anos. Esta exploração foi também evidente no distrito de Belém, onde a montanha de Abu Ghuneim, uma das maiores florestas do distrito de Belém, foi transformada no colonato de Har Homa em 1997. É assim que Israel está a cometer "greenwashing" (Hughes, S., 2018). 

Quando Israel foi declarado um Estado judeu, em maio de 1948, as árvores nativas (como carvalhos, alfarrobeiras e espinheiros) e as culturas agrícolas (azeitonas, figos e amêndoas) foram sistematicamente arrancadas e substituídas por culturas de monocultura, especialmente por pinheiros europeus. Estes pinheiros plantados reduziram a biodiversidade e prejudicaram o ambiente local (Pappe, I., 2006). Os pinheiros libertam folhas ácidas que impedem o crescimento de plantas rasteiras. Estas árvores são também muito suscetíveis ao fogo devido às suas resinas. De facto, os incêndios são agora uma ocorrência comum nas áreas em que foram plantados (Qumsiyeh, M. & Abusarhan, M., 2020).

As árvores, porém, não foram os únicos alvos das práticas coloniais de Israel. Os recursos naturais, principalmente os aquíferos, também foram confiscados aos palestinianos. A disparidade entre colonos e nativos no controlo da terra e no nível de vida é agravada pela disparidade no acesso a outros recursos naturais, especialmente a água (Gordon, N., 2008). Israel até desviou as águas do Vale do Jordão. Foram ao ponto de deliberadamente construir colónias no topo de colinas para garantir o acesso efetivo a esses recursos e para manter a vigilância sobre os palestinianos (Benvenisti, M., 2002). Os israelitas têm apresentado seletivamente dados falsificados ou inexatos para servir os seus interesses políticos no rio Jordão, ao mesmo tempo que afetam catastroficamente o acesso dos palestinianos à água. Segundo Clemens Messerschmid e Jan Selby, 91% da água total da Margem Ocidental, é expropriada para uso dos colonos israelitas (2015).

A ocupação da Margem Ocidental e de Gaza em 1967 abriu oportunidades para as indústrias israelitas. Dados provenientes do relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento em 2019 confirmam que muitas das empresas mais poluentes mudaram-se para a Margem Ocidental e receberam incentivos fiscais para o fazer. Aí, as empresas enfrentaram apenas a oposição dos palestinianos, que não tinham forma de as impedir. Por exemplo, o fabricante de pesticidas e adubos Geshuri, que enfrentou grandes dificuldades judiciais na sua fábrica original em Kfar Saba, foi transferido para uma zona adjacente a Tulkarm, na Margem Ocidental, em 1987. A poluição significativa causada pela Geshuri e por outras empresas nesta zona danificou árvores de citrinos e vinhas (ARIJ, 2015).

Além disso, a investigação sobre a genotoxicidade nos Territórios Ocupados mostra o impacto significativo da colónia industrial de Barkan nos palestinianos da aldeia de Burqeen (Hammad, K. & Qumsiyeh, M., 2013). À medida que o ADN e os cromossomas são danificados, aumentam os casos de aborto espontâneo, cancro e defeitos congénitos. A poluição do ar e da água também tem causado doenças que vão desde doenças respiratórias a falhas gastrointestinais. Outros problemas relacionados com a saúde resultaram da prática israelita de enviar lixo, incluindo resíduos eletrónicos, através da Linha Verde (Khlaif, N. & Qumsiyeh, M., 2017). A Linha Verde, fronteira (pré-)1967, ou fronteira do Armistício de 1949 é a linha de demarcação estabelecida nos Acordos de Armistício de 1949 entre os exércitos de Israel e os dos seus vizinhos (Egipto, Jordânia, Líbano e Síria) após a Guerra Israelo-Árabe de 1948. Serviu como fronteira de facto do Estado de Israel de 1949 até à Guerra dos Seis Dias em 1967, e continua a representar as fronteiras internacionalmente reconhecidas de Israel com os dois territórios palestinianos: a Margem Ocidental e a Faixa de Gaza. Estes detritos são frequentemente reciclados por palestinianos indigentes de formas prejudiciais para o ambiente, como a utilização do fogo para remover o plástico dos metais úteis. Esta prática liberta substâncias que causam doenças graves, incluindo cancro e doenças pulmonares (Qumsiyeh, M. & Abusarhan, M., 2020).

Israel construiu também uma extensa rede de estradas e outras infraestruturas que servem os colonos. As árvores e os edifícios situados a menos de setenta e cinco metros destas estradas são destruídos e são declaradas zonas militares fechadas aos palestinianos. A área total utilizada na Margem Ocidental para estradas de colonos era de 51,2 km2 em 2000 e duplicou desde então. Somados aos 150,5 km2 de colónias de colonos construídas, trata-se de uma enorme área que era anteriormente utilizada pelos palestinianos para agricultura, pastagem ou lazer (ARIJ, 2015).

Há muitas outras práticas através das quais a ocupação tem prejudicado o desenvolvimento sustentável e a proteção do ambiente. Estas incluem a recusa de emissão de licenças de construção na maior parte da Margem Ocidental e a destruição de quaisquer estruturas "não autorizadas", incluindo cisternas e painéis solares (MOPAD, 2014). De acordo com Talia Shay, outro exemplo é a política de Israel de absorver o sector do turismo palestiniano, incluindo o ecoturismo (2016).

Michael Dove (2006) concluiu o seguinte: uma vez que os colonizadores trabalham para separar os colonizados das suas terras e destruir a sua cultura e história, o reforço da ligação entre os povos indígenas e as suas terras ajudará as novas gerações a compreender o valor da natureza para além do quadro de exploração imposto pelo colonialismo. A SEE.FLUL apela a uma solução que garanta aos israelitas e palestinianos viverem no mesmo território, em paz, garantido direitos iguais para ambas as partes. A justiça será feita, tanto para o povo palestiniano como para a terra que foi tão bem-cuidada por eles. 


Bibliografia:
Abdallah, T. & Swaileh, K. (2011). "Effects of the Israeli Segregation Wall on biodiversity and environmental sustainable development in the West Bank, Palestine," International Journal of Environmental Studies 68: 543-555.

ARIJ. (2015). Status of Environment in OPT (Applied Research Institute – Jerusalem).

Benvenisti, M. (2002). Sacred Landscape: The Buried History of the Holy Land since 1948 (Berkeley: University of California Press, 2002).

Etkes, D. & Ofran, H. (2007). "Construction of Settlements and Outposts on Nature Reserves in West Bank," Peace Now, February 13. Disponível em: https://peacenow.org.il/en/nature-reserve.

Gordon, N. (2008). "From Colonization to Separation: Exploring the Structure of Israel's Occupation," Third World Quarterly 29, no. 1: 25–44.

Hammad, K. & Qumsiyeh, M. (2013). "Genotoxic Effects of Israeli Industrial Pollutants on Residents of Bruqeen Village (Salfit District, Palestine)," International Journal of Environmental Studies 70, no. 4: 655–62.

Hughes, S. (2018). "'Greenwashing' the Occupation: The Role of Environmental Governance and the Discourse of Sustainability in Sustaining the Israeli Occupation of Palestine," in The Annual Meeting of the American Association of Geographers.

Khlaif, N. & Qumsiyeh, M. (2017). "Genotoxicity of Recycling Electronic Waste in Idhna, Hebron District, Palestine," International Journal of Environmental Studies 74, no. 1: 66–74.

Leatherby, L. (2023). "Gaza Civilians, under Israeli Barrage, Are Being Killed at Historic Pace." The New York Times, Disponível em www.nytimes.com/2023/11/25/world/middleeast/israel-gaza-death-toll.html. Acedido 25 Nov. 2023.

Messerschmid, Clemens & Selby, J. (2015). "Misrepresenting the Jordan River Basin," Water Alternatives 8, no. 2 (2015): 258–79.

MOPAD, (2014), "State of Palestine National Development Plan 2014-2016'" (Ministry of Planning and Administrative Development).

Pappe, I. (2006). The Ethnic Cleansing of Palestine. Oxford: Oneworld Publication.

Qumsiyeh, M. and Abusarhan, M. (2020). An Environmental Nakba: The Palestinian Environment Under Israeli Colonization. SftP Magazine. [online] Science for the People Magazine. Science Under Occupation. Vol. 23, n 1. Disponível em: https://magazine.scienceforthepeople.org/vol23-1/an-environmental-nakba-the-palestinian-environment-under-israeli-colonization/ [Acedido 24 Nov. 2023].

Shay, T. (2015). "The Ethnocracy of the Palestinian Urban Space and the Indigenous Approach: Praxis and Theory," Archaeologies 12 (2016): 73–90.

Tal, A. (2002), Pollution in a promised land: An environmental history of Israel (Berkeley, Calif:Univ. of California Press); International Union for Conservation of Nature – Regional Office for West Asia (IUCN – ROWA), State of Palestine Fifth National Report to the Convention on Biodiversity. Amman, Jordan 2015.

United Nations Conference on Trade and Development. (2019 report). "The Economic Costs of the Israeli Occupation of the Palestine People: The Unrealized Oil and Gas Potential".

Fontes das imagens:

Daraghmen, M. & Heller, A. (2016). Air pollution becomes Israel-Palestinian wedge issue. The Times of Israel. Disponível em https://www.timesofisrael.com/air-pollution-becomes-israel-palestinian-wedge-issue/

Gabarin, A. (2021). "Palestinian Olive Trees." This Week in Palestine. Disponível em thisweekinpalestine.com/palestinian-olive-trees/.

Geografia Bem Fácil. (2023). "UMA VOLTA NA HISTÓRIA: CONFLITOS ENTRE JUDEUS X PALESTINOS." Disponível em geografiabemfacil.blogspot.com/2019/10/uma-volta-na-historia-conflitos-entre.html. Acedido 25 Nov. 2023.

Leatherby, L. (2023). "Gaza Civilians, under Israeli Barrage, Are Being Killed at Historic Pace." The New York Times, Disponível em www.nytimes.com/2023/11/25/world/middleeast/israel-gaza-death-toll.html. Acedido 25 Nov. 2023.

Marchal, W. (2015). "Building Resilience for Palestinian Farmers." Food & Business Knowledge Platform. Disponível em knowledge4food.net/building-resilience-for-palestinian-farmers/. Acedido 25 Nov. 2023.

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