Privilegiar o Capital ou o Espírito de Natal?
Uma Crítica ao Consumismo na Época Natalícia
de Teresa Jerónimo
A economia capitalista tem dominado os hábitos de consumo da população mundial, e a época natalícia encontra-se cada vez mais submersa nos princípios da sociedade de consumo. Se antes o Natal e o Ano Novo eram essencialmente momentos de convívio em família, estas celebrações estão atualmente associadas ao aumento da aquisição de bens, muitas vezes supérfluos e até desnecessários. As agressivas técnicas de marketing – divulgadas através dos meios de comunicação – incentivam o consumo de bens e serviços. Mais do que usufruir dos presentes recebidos, os jovens procuram a adrenalina de abrir os embrulhos, sem refletir sequer sobre o que essas práticas implicam para o planeta.
Reconhecemos que este período de maior procura pode originar lucro para os comerciantes e favorecer as economias nacionais. Mas deveria esse enriquecimento basear-se na destruição do planeta? É fundamental relembrar que este cenário tem um grande impacto ambiental. As iluminações não só provocam poluição visual como também poluição luminosa, impedindo a observação de estrelas (ou outros corpos celestes) e afetando negativamente a rotina de muitos animais selvagens. Entre as principais consequências para a vida selvagem destacam-se a perturbação dos ciclos de reprodução (o que origina um decréscimo das populações), confusão dos seus instintos naturais e das rotas migratórias e ainda o aumento da sua vulnerabilidade perante predadores, já que os antigos abrigos e esconderijos ficam comprometidos (Equipa Dark Sky, 2014). Refira-se também que estas decorações requerem um elevado consumo energético. Normalmente, a única forma de obter energia elétrica suficiente para as atividades quotidianas e ainda para as iluminações natalícias é recorrer a fontes de energia não renováveis, que ameaçam a sustentabilidade.
Além disso, a elevada produção de bens – nomeadamente presentes – e o desperdício alimentar implicam o esgotamento dos recursos naturais, quer seja para obtenção de matérias-primas ou para produção de mais alimentos. A prática das compras de Natal online, que tem vindo a ganhar cada vez mais adeptos, prejudica também a preservação ambiental, uma vez que o envio dos itens, muitas vezes internacionais, é responsável por uma elevadíssima pegada de carbono (Equipa Dark Sky, 2014).
Neste contexto, devem ser promovidas estratégias sustentáveis que visem a redução do desperdício. Incentivamos a adoção de pequenas medidas que, embora pareçam simples, podem fazer toda a diferença na proteção do planeta. Em primeiro lugar, todos podemos adquirir lembranças com um impacto reduzido (ou mesmo nulo) nos ecossistemas. A variedade de produtos naturais e vegan é cada vez maior, especialmente nos pequenos negócios locais. E se aproveitássemos esta ocasião para explorar os mercados de Natal, ou mesmo os mercados regulares (como os Anjos 70)? Decerto encontraremos o presente perfeito – e sustentável – para um amigo ou familiar. Em vez de investir em inúmeros rolos de papel de embrulho – que grande parte das vezes não chegam a ser sequer reciclados –, podemos criar nós mesmos embalagens originais e ecológicas (feitas com tecidos ou jornais, por exemplo). Em última opção, optemos por sacos de presente, uma vez que – ao contrário do papel de embrulho – estes podem ser reutilizados, evitando assim a compra de novas embalagens no ano seguinte.
Porque não organizar um amigo secreto entre todos os convidados? Em vez de todos comprarem inúmeros presentes para cada um dos outros, seria mais benéfico juntar o dinheiro para adquirir um único item que fosse realmente desejado e apreciado por uma pessoa em particular. Além de promover a redução do consumismo, esta tradição permite às famílias economizarem os rendimentos, que podem assim aproveitar para outros bens essenciais.
Sugerimos ainda o "regifting", prática cada vez mais adotada pelos portugueses, que consiste na reutilização de presentes para oferecer a outros que possam usufruir mais deles.
Embora não seja tão comum a troca de prendas pela altura do Ano Novo, o impacto ambiental causado por estas festividades continua a ser bastante elevado. Todos os anos, no dia 1 de janeiro, são frequentes os amontoados de resíduos urbanos pela maioria das ruas (Figura 1). Entre outros, estas "paisagens" de lixo são compostas por "caixas de papelão, papéis de embrulho engelhados com fitas meio arrancadas e muitos sacos de lixo doméstico" (Luís Paisana, citado por Laranjeiro, I., 2023). Destacam-se ainda os "copos espalhados e garrafas por todo o lado", bem como "restos das refeições feitas em casa" (Ibid.).
Figura 1. Acumulação de lixo nas ruas de Lisboa na manhã de Natal

Fonte: Leonardo Negrão/Global Imagens, Diário de Notícias (2023)
Ao organizar uma comemoração, é nosso dever adotar medidas que contribuam para a sustentabilidade. Se um dos costumes for distribuir as sobras de comida pelos convidados, porque não pedir que cada um traga o seu próprio recipiente, de forma a evitar o uso de embalagens descartáveis?
Outra particularidade da passagem de ano é o tradicional espetáculo de fogo-de-artifício, que acontece em todo o mundo. Grande parte da população assiste a estas impressionantes demonstrações de pirotecnia, mas são poucos os que reconhecem as suas consequências ambientais. A concentração de sons explosivos e "flashes" de luz desorienta muitos animais, que acabam por se colocar em perigo para escapar à ameaça sentida. Han (2023) menciona que "[…] centenas de pássaros, principalmente estorninhos, foram encontrados mortos nas ruas de Roma, Itália, depois do evento de fogo-de-artifício de Ano Novo em 2021. […] A Organização Internacional para a Proteção Animal (OIPA) acredita estar "relacionado com uma exibição particularmente barulhenta de fogo-de-artifício"". Outros riscos associados às demonstrações pirotécnicas são a possível contaminação dos solos e águas, bem como o seu caráter inflamável, que pode propiciar incêndios florestais. Muitos dos gases poluentes libertados pelos explosivos são inclusivamente nocivos para a saúde humana e animal, causando graves complicações médicas. (Ibid.).
Nos últimos anos têm vindo a ser desenvolvidas alternativas mais sustentáveis para as comemorações de passagem de ano, tais como a utilização de fogo-de-artifício silencioso ou mesmo os espetáculos de lasers ou drones.
Em última instância, o consumismo desta época festiva não é somente um problema dos moradores locais nem dos grupos responsáveis pela poluição. Este problema diz-nos respeito a todos nós, seres humanos, que temos o dever de proteger o nosso planeta.
Bibliografia:
Equipa Dark Sky, 2014 [Atualizado a 13 de novembro de 2023]. Light pollution harms wildlife and ecossystems. [Online]. Dark Sky [Acedido em 28 de dezembro de 2023]. Disponível: https://darksky.org/resources/what-is-light-pollution/effects/wildlife-ecosystems/
HAN, J., 2023. Crowd-pleasing fireworks are not so pleasing to the planet. [Online]. Earth.Org [Acedido em 28 de dezembro de 2023]. Disponível: https://earth.org/environmental-impact-of-fireworks/
LARANJO, I., 2023. Câmara deixa lixo da consoada amontoar-se em Lisboa. Situação repete-se no Ano Novo [Online]. Diário de Notícias [Acedido em 27 de dezembro de 2023]. Disponível: https://www.dn.pt/local/camara-deixa-lixo-da-consoada-amontoar-se-em-lisboa-situacao-repete-se-no-ano-novo-17563382.html
Fonte da Imagem:
LARANJO, I., 2023. Câmara deixa lixo da consoada amontoar-se em Lisboa. Situação repete-se no Ano Novo [online]. Diário de Notícias [Acedido em 27 de dezembro de 2023]. Disponível: https://www.dn.pt/local/camara-deixa-lixo-da-consoada-amontoar-se-em-lisboa-situacao-repete-se-no-ano-novo-17563382.html